sábado, 29 de outubro de 2016

Cacique Buá Buá

Depois de um mês de negociação entre mim e um amigo em comum, consegui autorização para adentrar a mata e entrevistar o Cacique Buá Buá, líder de uma aldeia da tribo dos Guaranys, em sua própria oca.

Sentamos frente a frente e ele me ofereceu o cachimbo aceso, enquanto me pedia para fazer a pergunta que tanto queria.

Depois de tossir muito por ter engazopado, respondi que são cinco as perguntas, e ele me disse que era uma só e que era bom que eu à escolhesse bem.

Passei os olhos pelas cinco perguntas que tinha preparado por ordem do professor e escolhi aquela que achei “quebraria o gelo” e talvez alongasse a conversa:

- O que você ganhou de natal aos 18 anos? – Perguntei, e sua resposta foi desconcertante.

- O que é isso de ganhar de natal?

- Comemoração do nascimento de Cristo. – Respondi incrédulo.

- E a gente é que ganha presente? Não seria ele o aniversariante?

- Sim, mas é uma tradição mundial.

- Entendo por tradição: Bens de cultura e arte, e não de comércio de presente para o ego.

- Então, você não comemora o natal?

- Sim, comemoro. Comemoro o natal do filho de Tupã lhe oferecendo um dia de jejum.


Nesse momento tive a certeza de ser um estrangeiro. 

A Colmeia

As abelhas operárias convocaram uma reunião. Queriam delegar ao zangão a árdua tarefa de sustentar a colmeia. Decididas em sua missão, pediram uma audiência com Sua Majestade, a Abelha Rainha.

- Ó Nossa Rainha, nunca reclamamos de nossa sina, sempre lutamos em sua defesa, nunca deixamos de trabalhar para o bem de sua obra e ganhamos nosso soldo em dia e em honra tão imensurável que nenhuma outra família de insetos se iguala. Porém te pedimos, Ó justa rainha, dá-nos descanso e põe o zangão que é mais forte para trabalhar em nosso lugar.

As abelhas guardiães de vossa majestade se sentiram ofendidas em nome da rainha e quiseram atacar, mas a Abelha Rainha às impediu com o levantar de seu cetro.

Após um momento de silêncio em si, a Abelha Rainha falou:


- Minhas tão amadas filhinhas, fico contente que aprenderam a vossa sina, que aprenderam desde meninas o porquê de vossa existência. Nem todo ser vivo tem essa dita. A ordem natural das coisas guia por si só. Vossa lealdade é incomparável entre tudo o que vive. Vossa disposição para o trabalho é titânica. E toda essa força, disposição e lealdade vêm da união de mim com o vosso pai, o zangão. Nossos genes se misturaram através da cópula sagrada e assim nasceram vocês. O zangão nasce para um dia de vida em serviço. Eu nasci para ser rainha. A colmeia é mais. A colmeia é eterna. Vocês são o porquê da colmeia, e a colmeia é o porquê de vocês.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Um Bom Corte Final

O poeta é um louco visto como um qualquer.

Como um palhaço, que veste sapatos dez números maior que o seu pé, e com esses insiste em andar na corda bamba só para ver outra pessoa sorrir.

Como um cachorrinho que espera pelo petisco após a obediência.

Um qualquer, que sacrifica a sua vergonha de não ter o que comer, o que vestir ou onde se abrigar, pela decência de não roubar e seguir na arte a sua vida.

Um qualquer, que busca não o aplauso, mas a compreensão de sua obra nos olhos daquele que voltou a ser criança, mesmo que apenas nesse curto espaço de tempo.

Um qualquer, que olha para o futuro e não vê um governo tirânico e corrupto, e para um presente com o poder de não precisar usar o poder de dominar.

Um qualquer, de fino trato e de leitura avançada.

Platônico, por assim dizer, por buscar um amor impossível, o amor entre essa humanidade de hoje em dia. Uma humanidade guiada por lideres cegos pela ganância, e que por esse exemplo, torna-se cobiçosa também. A cobiça de não precisar crer no que sabe existir. E que por adorarem o acaso, se por um acaso, outro Noé chegasse, escrachado seria do mesmo jeito que seu antecessor, pois essa humanidade é a mesma de antigamente. Que bela evolução, não sair do passado! E Jesus Cristo então! Meu Deus! Seria apenas audiência em programas de televisão, e de noticiários cheios de comoção.

Um qualquer, que olha para enxergar, deita para acordar, não precisa tocar para sentir. Está tudo dentro de nós, ele diz. As sete notas musicais e seus acordes da harmonia, as sete cores do arco-íris que repousam na paleta do artista e que acordam nas telas que esse pinta, os corais de anjos que soam de suas trombetas, e o piano mágico de Beethoven, o olhar sério do Ancião dos Dias, por entre seus longos cabelos brancos e sua longa barba de sabedoria, os sete sentidos internos que nos ligam ao espirito, as sete virtudes que se contrapõem aos sete defeitos, os sete véus das odaliscas sagradas, os sete dias da semana relacionados aos sete planetas e aos sete anjos do apocalipse, a pedra que se molha, e que se seca, e que depois deixa marcados seus passos para que digam “Aqui passou um homem de vontade, e nada o desviou do caminho”.


Busca a alegria da paz e felicidade coletiva. Morre em sacrifício de suas palavras para que todos vivam na sua história. Vida que protege a morte e morte que protege a vida. Uma linha tênue as une e as separa. Só luta para ser merecedor desse bom corte final.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A chuva

Sim, vamos brincar. Vamos brincar na chuva e lavar nossos corpos com roupa e tudo. 

Não se espante... A alma entenderá o entusiasmo da criança que renasceu em nós.

Essa chuva que cai como uma benção e alimenta a esperança de um mundo melhor.

E nessa chuva, vamos nos abraçar e brincar de pega-pega, vamos nos beijar mesmo que depois finjamos vergonha.

Vamos dançar a dança de salão dos tempos da brilhantina. Danny & Sandy para sempre em nossos corações. Vamos dançar Elvis, vamos dançar Tina Charles e Donna Summer.

Vamos nos abraçar para dançarmos Andrea Boccelli.

E tem gente que não gosta de chuva. Um homem que por causa da chuva deixa de ir buscar a namorada, não merece o sol, o luar ou a chuva que cai como um bálsamo contra toda a ignorância de não saber ser poeta.

Não que eu o seja, mas é que alguém há quem muito quero bem, assim me chamou.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O Poder da Consciência Livre

O poder do silêncio do mistério provoca no poeta uma mistura de imaginação, com intuição, com percepção, com obediência, com objetividade.
Isso lhe dá a certeza de que nem tudo pode, ou deve, ou precisa ser dito. Há que ser poeta, há que imaginar, há que intuir, há que perceber, há que obedecer e há que ser leal ao segredo.
A palavra constrói, a palavra destrói. O silêncio tem o mesmo poder.
Às vezes ao dizer o silêncio podemos destruir a ponte que nos une a ele.
O mistério, muitas vezes, é particular e, portanto requer lealdade daquele a quem se revela.
Se o poeta trai e escreve perde o poder. Não é egoísmo, é palavra de honra. Palavra de rei que não volta atrás. Cuja lei apenas a criança obedece.
O poeta é a criança que entra no mundo do mistério invisível e o transforma em seu próprio reino, sem que ninguém mais precise saber.
O poeta busca o indizível e quando o encontra, descobre que o caminho ainda nem começou. Isso o enche de entusiasmo, e senhor de si se coloca a disposição das palavras certas. As que podem e devem ser ditas de boca a ouvido, não como um segredo (Esse assim se permanecerá), mas como uma boa nova que liberta.
A liberdade está presa em nosso sexo, nosso cérebro e nosso coração. Quando nos tornarmos heróis de nós mesmos e lutarmos contra o dragão libertaremos nossa consciência.
Uma consciência livre pode voar (É assim que vencemos a gravidade), pode mudar de um continente a outro numa fração de segundos “Onde estiver nossa consciência, lá estaremos”.
Uma consciência livre não está sujeita a comparações e preconceitos, corrupção e comércio, sensações e impressões, ostentação e miséria, e tão pouco ao acaso ou as circunstâncias da vida.
Uma consciência livre se integra ao Ser, que é o Divino em nós.
Racionalizar a liberdade da consciência é como tirar a infância da criança: crueldade, maldade, pecado.
Tudo bem, tirando a crueldade, maldade e pecado. Proponho a cena:
Algumas crianças brincando alegre e harmoniosamente com a terra e a água, pintadas como uma obra de arte da cabeça aos pés. A mãe chega horrorizada e determina que “Todos já para o banho!”; o desapontamento é instantâneo nos rostos das crianças que mesmo cheios de lama mantém o olhar inocente de quem não entende o porquê daquela censura. Mãe é mãe e declara que “Só mais cinco minutos!”. A alegria harmoniosa volta aos olhos graciosos das crianças, pois elas não entendem “cinco minutos”; o mundo para elas é o universo inteiro e o seu tempo é a eternidade.

Como escrevo

         Escrevo sempre no meu local preferido da minha casa, a poltrona do meu quarto.
         Preciso de silêncio, conforto e calma para escrever.
         Silêncio para me concentrar, conforto para relaxar e calma enquanto antítese da pressa.
         Já há algum tempo, tenho dado muito valor ao silêncio.
         Percebi num dia desses, graças ao silêncio, que na árvore em frente a janela do meu quarto, os pássaros cantam não só quando o sol está pronto para nascer, mas também ao final da tarde quando ele está se pondo. Portanto, para mim, os pássaros catam anunciando o início e o fim da luz do dia.
         É bom perceber e saber manter contato com a natureza, mesmo nesse mundo urbano e barulhento em que vivemos.
         Eu preciso estar confortável e relaxado para criar uma conexão entre mente, coração, mão e papel.
         A mente não pára e para colocá-la a minha disposição, obrigo-a a repetir várias vezes a mesma frase, cena, tema, trama que quero trabalhar, até que ela aceite e entenda que é ali que ela deve ficar e concentrar sua atenção.
         O coração pensante maestra a energia que passa pela mão a caneta e então ao papel.
         Tudo isso não seria possível sem a calma, que é o resultado do silêncio e do relaxamento;
         Não gosto de escrever quando há barulho, agitação, confusão e mesmo aflição.
         Quando esses fatores estão presentes e a idéia pulsa predominante, imediatamente, coloco-me a ouvir música clássica. É impressionante como o resultado é imediato. Muitas vezes os pássaros vem até a janela para ouvir de perto.
         Beethoven, Mozart, Strauss Jr., Bach, Haydn somente para citar alguns dos mestres e tenho Beethoven como o Mestre de todos.
         Sonatas, valsas, concertos e sinfonias. Músicas siderais que ao penetrar pelos ouvidos, conseguem acalmar até o mais feroz dos animais, o Homem.
         Já escrevi com pressa, mas prefiro escrever sem ela.

         Preciso de caos para escrever; mas não como sinônimo de grande confusão, senão como espaço em branco, ávido por criar e ser criado.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O que eu faria se hoje fosse o fim do mundo e o que deixaria de legado

Sobre se hoje fosse o fim do mundo e eu tomasse vergonha na cara: primeiro procuraria os meus inimigos e pediria desculpas, mesmo que no meu mais profundo orgulho tenha a certeza de que não as devo.

Depois, procuraria os meus amigos a quem muito magoei, e pediria também desculpas por todas as injurias que proferi contra eles, mesmo que minha forte ira ameaçasse me castigar.

Então procuraria as minhas vítimas de preconceitos tão enraizados pela minha inveja e pelo meu descaso: os moradores de rua, os abastados, os sem cultura, os religiosos fervorosos e os ateus, etc, etc, etc, suplicaria por perdão, mesmo que minha gula e minha avareza se justificassem dizendo que “cada um tem o que merece”.

Continuando procuraria por todas as mulheres e imploraria por perdão: pelas vezes que as tratei como objeto e não como seres humanos, como coisa banal e não como coisa Divina, mesmo que minha luxúria me apontasse o dedo me chamando de fraco por não aceitar a minha natureza, tentando assim me ludibriar mais uma vez.

Por fim, se minha consciência estivesse limpa e livre, procuraria por uma criança e me colocaria sob suas ordens, mesmo sabendo que ela me diria:

- Por que você esperou pelo fim do mundo para se arrepender e fazer a coisa certa, o que seu coração já lhe havia mandado fazer há muito tempo?

E como legado deixaria esse meu último dia como exemplo, para que futuras gerações não cometessem o erro de só se arrependerem por conveniência e não por consciência.